Foto de Deborah Ferrari Style.
Quando cheguei à Noruega, estava feliz por trabalhar num lugar onde cada pessoa era tratada de forma igual, independentemente de género, raça ou idade. Algum tempo mais tarde, apercebi-me que os salários dos homens eram mais elevados do que os das mulheres, especialmente na área tecnológica.
O meu primeiro pensamento foi de revolta e frustração. Como é que a Escandinávia, sendo uma das regiões geográficas mais progressivas em termos de igualdade de género, ainda apresentava tal disparidade? Era a área tecnológica, uma questão de género, ou ambos?
Ambiente de Trabalho
No último século, houve uma tentativa de igualar todas as pessoas e integrar as mulheres no mercado de trabalho. No geral, tal foi bem sucedido, no entanto, a premissa existente não está ao serviço de cada pessoa, porque o modelo pré-estabelecido da sociedade foi criado por homens (para homens).
Se as sociedades exigem um ciclo produtivo diário de cada cidadão, o coletivo está a assumir que cada pessoa tem um ritmo de 24-horas, não considerando que metade da população mundial tem um ciclo de aproximadamente 28 dias. As mulheres sangram mensalmente.
Assim, a base com que começamos é masculina pois apenas serve o ritmo natural e as necessidades emocionais de um dos géneros. Basicamente, fazer dinheiro, especialmente nas áreas tecnológica e financeira é maioritariamente um “jogo de rapazes”. E a forma como o trabalho está organizado é baseado na falsa premissa de que os homens e as mulheres são iguais.
As características biológicas foram atiradas para o lado para continuar a servir a exigência contínua de progresso, produtividade e lucro. Mas, a verdade, é que o homem médio acorda todos os dias iniciando um novo ciclo com o mesmo nível de energia, portanto quando vai dormir, repõe a sua bateria. Já a mulher média, funciona em ciclos mensais, em sincronia com a lua. Por isso, para uma mulher, mais do que ir dormir e acordar sempre com o mesmo nível de energia, a sua bateria energética varia dependendo da fase do mês em que se encontra. O ciclo energético da mulher seria melhor medido no espaço de tempo de um mês, em vez de ao longo de um dia, como no caso de um homem.
Em sociedades onde todos são nivelados de acordo com o ritmo de um homem, o período, é naturalmente, uma questão. A ideia de que a menstruação é associada com 1. Um incómodo e 2. Vergonha, apenas perpetua a ideia de que sangrar mensalmente é um inconveniente e cria resistência a este facto natural. Quando vemos este tema como um problema a tratar, um tabu ou uma característica negativa, somos forçados a analisar as causas de base.
A menstruação é um sinal de saúde. Deveríamos sentir-nos envergonhados por metade de população sangrar mensalmente? Ou deveríamos encarar a menstruação como uma celebração? O facto de a sua mãe ter um período menstrual é uma das razões pelas quais está aqui!
Se respeitarmos o ritmo de todos, estamos a beneficiar da produtividade e valências que cada um tem para oferecer enquanto mantemos ao mesmo tempo um estado ideal de saúde.
Por isso, apesar de a premissa da organização da estrutura do trabalho não ter sido tida em consideração numa primeira instância (visto que o objetivo inicial era dar oportunidades iguais a todos), é agora necessário olhar para esse ponto para que se torne possível evoluir.
Just Do It
É no encontro entre homens e mulheres que a espécie continua e, como tal, a forma como ambos os géneros se tratam constitui a base para a evolução. Cultivar espaço para ser é de importância vital. Espaço e tempo para ser são frequentemente considerados características femininas. Ser é uma questão de respeito para com os ciclos (permitir que as coisas aconteçam por si só) em vez de uma questão de fazer algo (forçar as coisas a acontecerem). Tempo para ser é a base da criação, pois a criação vem do ser.
O que aconteceu nas nossas sociedades é que se estabeleceu uma ótica onde todos deveriam ser iguais com base no modelo existente. As sociedades são baseadas no que chamamos de valores “masculinos” onde competir e atingir algo são mais importantes do que cooperar e desfrutar, o que significa que ter e fazer têm prioridade sobre ser e estar.
Portanto, durante séculos as mulheres foram atiradas para o lado como cidadãos de segunda, incapazes de expressarem quem eram e verbalizarem verdadeiramente a sua natureza. Eram vistas como uma forma inexplicável de arte (no melhor caso), um objeto (no pior) ou uma peça decorativa, em vez de seres merecedores do mesmo respeito e retidão que se presta ao irmão mais próximo. O que vimos nas últimas décadas – num esforço das sociedades se tornarem iguais e justas para todos – foi uma masculinização das mulheres.
Tentar forçar as mulheres a “jogar o jogo” em vez de o mudar é uma perda para ambos os lados que contribui para o crescente desconforto de todos e continua a propagar guerras entre os seres humanos.
Como mães, uma crescente obrigação para com a próxima geração fez com que as mulheres entrassem em modo piloto, repetindo (e muitas vezes reforçando) os mesmos padrões dos papéis estabelecidos. Assim, as crianças receberam esta informação por exemplo e por herança genética. As mães foram forçadas a escolher entre serem livres, serem elas próprias, respeitarem a sua natureza interior e terem de providenciar para os seus filhos garantindo a sobrevivência no modelo existente da realidade – e, consequentemente, continuando a compactuar com o estado das coisas.
Quando somos confrontados com os valores pré-estabelecidos, temos de nos perguntar: uma pessoa é menos do que outra com base no seu género? E quem diz que certas tarefas são “menos” do que outras ou têm de ser realizadas por um determinado género? Será que gerir uma casa e alimentar um ser humano é menos importante do que ser um CEO? Será que estar gravida é menos importante do que garantir a produtividade, assiduidade e prosperidade? Quem é o CEO de uma grande empresa tecnológica que em algum momento não foi alimentado e embalado por uma mãe?
A Tecnologia e a Despersonalização das Pessoas
A forma como usamos a tecnologia contribui para a despersonalização dos seres humanos e para que estes sejam vistos como mais um número. Não é a tecnologia, é a forma como a usamos! Exemplo: porque é que ainda trabalhamos 8h por dia quando a tecnologia prontamente nos poderia poupar tempo e energia, libertando-nos para tarefas que são mais do ser em vez do fazer? Porque é que não usamos verdadeiramente as capacidades tecnológicas para nos ajudarem a prosperar como espécie?
Séculos e séculos de violência contra as mulheres estão profundamente inscritas no inconsciente coletivo da Humanidade, levando as pessoas a continuarem mesmos comportamentos. O mesmo se aplica aos assuntos da sociedade. Nenhuma mulher enviaria o seu filho para a guerra. A perpetuação da violência é o resultado de uma sociedade extremamente competitiva onde os conflitos não são resolvidos com diálogo e soluções mutuamente benéficas.
A competição é baseada na mentalidade de escassez onde os seres humanos acreditam que não têm o suficiente, não são o suficiente e precisam de tirar algo de alguém para terem e sentem que têm de eternamente perseguir algo para serem felizes. A competição é uma característica masculina no sentido em que os homens geralmente estão mais interessados em jogos onde alguém ganha e alguém perde. Tal foi evidente em diversos estudos de comportamento realizados ao longo das últimas décadas onde se observou que os meninos têm preferência natural por atividades e jogos onde competir é a chave e as meninas, por sua vez, tendem a preferir atividades harmoniosas, onde o bem-estar de cada participante é assegurado (ou onde tendencialmente todas as pessoas se sentem bem e incluídas no “jogo”).
Com o crescimento da “igualdade”, as mulheres tiveram de competir for de casa pelo seu lugar na arena profissional enquanto ao mesmo tempo acumulavam responsabilidades anteriores (gestão da casa). Foi exigido das mulheres por pressão social, filmes, publicidade e por elas próprias que fossem incríveis em tudo: profissionais de topo, bombas sexuais, mães, esposas e sempre com um ar fabuloso. Basicamente, todos estavam à espera da supermulher! E acontece que, devido à sua natureza cíclica, a mulher é bastante adaptativa e resiliente, portanto – durante algum tempo – é bem capaz de cumprir estes requisitos (isto tudo enquanto sangra).
Mas, ao fim de algum tempo, a factura na saúde mental e física da mulher acaba por aparecer e torna-se evidente que este sistema fere os seus “jogadores”, especialmente aqueles cujo ritmo natural é intrinsecamente diferentes dos valores societais em jogo. A ideia falsa de que os homens e as mulheres são iguais, apenas contribui para continuar a masculinizar as mulheres gerando paz podre.
A masculinização das mulheres também foi (e é) prejudicial para os homens contribuindo para a sua perda de identidade, pois se uma (super)mulher faz tudo fora de casa e dentro dela, o homem sente-se posto de lado e pergunta-se qual o seu papel. Tal leva a frustração e raiva, e pode gerar depressão, contribuindo para violência e uma sensação geral de falta de sentido. Numa sociedade masculina em que as mulheres são iguais aos homens, o que podem os homens oferecer? O que sobra para um homem fazer ou ser? Como é que um homem pode ser homem numa sociedade onde as mulheres são forçadas a ser (mais como) homens?
Será que a tecnologia não está a atingir as suas capacidades totais porque está a ser usada de uma forma masculina (números, segregação, competição) em vez de uma forma feminina (humanização, conexão, cooperação)?
Escolha
A razão pela qual os salários na Escandinávia diferem e encontramos mais homens do que mulheres na área tecnológica é porque, visto que estas sociedades possuem uma mentalidade mais progressiva no sentido de oferecer oportunidades iguais a todos os cidadãos, o resultado é maior liberdade e mais abundância. Mais abundância garante que cada um pode garantir qualidade de vida sem ferir a saúde e mais liberdade significa que cada um pode escolher como usa o seu tempo ou como gere a sua abundância.
Na prática, significa que apesar de os salários serem igualmente nivelados e as mulheres terem as mesmas oportunidades que os homens de desempenharem qualquer papel que escolham, é mais comum ver mulheres a escolherem trabalhar menos horas por semana e a terem tempo e energia livres para se dedicarem a outras coisas, como famílias e/ou hobbies e/ou atividades que elevam os seus corações. Frequentemente, essas atividades não fazem parte da área financeira ou tecnológica, estando mais ligadas a artes ou outras formas de auto-expressão (onde fazer é uma consequência de ser, em vez de um meio em si próprio).
Portanto, quando observamos as estatísticas, podemos ver a discrepância, mas apenas por escolha. Assim sendo, não admira que não vejamos tantas mulheres a tomarem o que é frequentemente (e erradamente) referido como papéis profissionais relevantes.
Chegou o momento de compreender que a premissa base é o que nos mantém presos num ciclo que que não nos permite evoluir como espécie. É necessário pensar fora da caixa e alinhar com soluções que respeitem a diversidade e enalteçam as melhores características de cada pessoa. Se a I.A. pode fazer o trabalho por nós, porque não avançar para 6 ou 4-h de trabalho diário, por exemplo?
É necessário feminilizar as sociedades para criar equilíbrio entre o masculino e o feminino, para re-estruturar a conexão entre tempo e dinheiro e estabelecer diferentes modelos de ter, fazer e ser. É necessário que nos reeduquemos para escolhermos consistentemente novos caminhos que nos levem a resultados diferentes.
Investir em hábitos mentais saudáveis permite-nos transformar os desafios em soluções e criar um modelo de sociedade que respeite ativamente os interesses de cada pessoa. Em vez de direccionarmos a nossa energia de competição para a guerra, podemos usá-la para “competir” connosco próprios e expandir como comunidade.
A sociedade é feita de cada um de nós. Se queremos ver mais mulheres na área tecnológica, é necessário repensarmos e reorganizarmos os nossos negócios e modelos de trabalho, para que possam servir cada ser humano. Esta mudança levará a que a verdadeira evolução aconteça. ♡