Entrevista com o Escritor Misha

Conheci o Misha no Retiro de Kung Fu. O Misha viveu durante vários anos no Japão, escreveu dois livros e escreve regularmente na Quora que eu sigo e recomendo, pois traz sempre informação curiosa sobre o mundo atual e sobre psicologia e formas de nos superarmos sucessivamente.

1 – O quê que te atraiu no Japão e na cultura Japonesa?

O meu fascínio pelo Japão retoma a quando eu era apenas um imberbe rapaz de 12 anos. Nessa época, eu estava a viver em França, porque a minha tinha-se mudado para um Programa MBA de dois anos. Durante a escola lá eu tinha de tirar um curso de idiomas extra, para além do Francês. E tendo em conta que eu não sabia nenhum Francês, eu estaria a aprender um novo idioma numa língua que não conhecia. As escolha possíveis eram Italiano, Alemão ou Japonês.

Eu escolhi aprender Japonês (instruído em Francês…) apenas para ver como corria, porque era tão diferente das línguas românicas e, talvez, eu também quisesse ter alguma atenção ou pena por parte dos meus pais. Isto dá uma ideia do quão maturo eu era na época. Claro que aprender uma das línguas mais dificeis do mundo, num idioma que eu nem sequer compreendia seria impossível, mas eu não estava a pensar muito no futuro. Simplesmente segui o instinto e fui a uma aula.

Acabei por aprender quer Francês, quer Japonês, ganhando um enorme respeito por ambas as culturas. Também conheci dois estudantes Japoneses durante esse tempo e lembro-me que foram as pessoas mais humildes, respeituosas que tinha conhecido até esse momento da minha vida. Eles eram calmos, nunca intrusivos, e certamente deixaram uma impressão. Por outras palavras, a minha imagem inicial do Japão não tinha nada a ver com animé ou manga, era mais a língua e as pessoas. Quando tive a oportunidade de fazer um programa exchange durante o liceu, entusiasticamente saltei para essa oportunidade. Visitei uma cidade no sul do Japão chamada Fukuoka para ficar com uma família adorável como anfitriã. Acabei por prolongar a minha estadia uma semana extra porque não queria ir embora.

Houve certamente uma alegria em ser capaz de colocar em prática o idioma que estava a aprender, mas acho que essa não foi a coisa principal que me atraiu no país. Gostaria de dizer que houve algum aspecto em particular, mas honestamente foi uma sensação de total novidade. E, talvez, também uma sensação de vaidade ingénua – as pessoas geralmente estavam interessadas em falar comigo porque eu era um alto, loiro gaijin (estrangeiro). A maioria dos estrangeiros experiencia isso quando vão ao Japão pela primeira vez. Eventualmente isso dissipou-se, mas desde esse momento o Japão tinha um lugar muito especial no meu coração.

Os anos passaram e eu continuei a estudar Japonês, mantendo um interesse na maioria das coisas do Japão – desde os filmes de Takashi Miike até bandas obscuras Japonesas como Charanporantan. Foi uma espécie de identidade para mim. Durante a universidade, eu decidi fazer 1 ano de estudo fora com um programa na Universidade Sophia de Tóquio para provar que eu estava realmente sério em relação ao Japão – certamente foi um momento crucial para mim. Após terminas o programa, eu sabia que queria ficar e trabalhar no Japão. Todos os meus amigos americanos estavam stressados sobre a graduação, arranjar emprego e decidir o que iam fazer com as suas carreiras. Eu, honestamente, não tinha a menor ideia do que queria fazer a longo prazo e não tinha objetivos específicos, mas – no mínimo – eu sabia que queria estar no Japão.

Decidi que iria fazer o que fosse necessário para chegar lá e acabei por concorrer para os únicos dois trabalhos que se conseguem como estrangeiro no Japão com Japonês intermédio – ensinar Inglês e Recrutamento/Recursos Humanos. Foi um momento extremamente exigente em termos de nervos para mim com a graduação a chegar e eu sem ter um emprego definido. Estava tão nervoso durante as entrevistas no Skype com as empresas que eu tomava dois shots de whiskey antes de cada entrevista e, às vezes, não usava calças (eles só conseguiam ver do meu peito para cima com a câmara, claro) para acalmar os meus nervos e sentir-me mais relaxado. Foram tempos interessantes.

E as minhas tácticas resultaram. Eu recebi uma oferta de emprego do programa JET e diversas ofertas de firmas de recrutamento. O programa JET é um programa muito conhecido de ensinar Inglês que é gerido pelo Governo Japonês. Eles atribuem uma cidade aleatória a cada pessoa, onde a pessoa fica um ano numa escola a ensinar Inglês a miúdos. Eles não dizem onde a pessoa será atribuída e acaba por ser um grande risco – um risco que eu não queria correr. Eu queria estar em Tóquio, uma vez que a cidade me atraía e eu acreditava que, tal como em Nova Iorque, era lá que “as coisas aconteciam”. Eu rejeitei a proposta do JET e juntei-me a uma pequena empresa de recrutamento em Tóquio onde acabei por trabalhar por 4 anos a ajudar em consultoria para empresas como Amazon ou Facebook. Ganhei alguma da minha experiência mais valiosa e estou feliz por ter seguido esse percurso, apesar de que o meu Japonês provavelmente teria sido melhor se eu tivesse ido para uma cidade mais pequena. É tudo sobre trocas que se fazem (trade-off).

2 – Qual é a característica da cultura Japonesa com a qual te identificas mais?

Os Japoneses tendem a manter as coisas para si próprios, não porque sejam necessariamente tímidos ou introvertudos. Se se tornar amigo de Japoneses vai descobrir que eles são extremamente faladores, divertidos e extrovertidos. Para os olhos de um ocidental mais “aberto” ou falador, onde a expressão pública das crenças e valores é valorizada, as pessoas Japonesas podem ser mais calmas e reservadas. Não forçam as suas opiniões sobre os outros e guardam-nas para si, sendo isso visto como um sinal de humildade no Japão.

Se não se conhece alguém, se não se está no “grupo”, então não é da nossa conta (honne and tatemae). A ideia é que se estivermos sempre a meter o nariz nos assuntos uns dos outros, o conflito irá surgir. E numa nação que é uma ilha, e onde todos estão a viver juntos, o conflito deve ser evitado. O objetivo é viver tão harmoniosamente quanto possível. É esta a diferença fundamental.

Mas realmente não é assim tão dificil de onde quer que se venha. Há certas coisas que são OK e outras não OK de dizer em píblico ou no trabalho, tal como no Japão. Tal não quer dizer que as pessoas Japonesas “mentem”, mas se se ultrapassa a linha e se faz com que um Japonês se sinta mesmo desconfortável, então não é expectável que a pessoa nos volte a falar. Eles irão ignorar essa pessoa. Isto acontece muito se falar o que lhe vier à cabeça sem ter em consideração os sentimentos dos outros e a situação contextual que poderá ofender outros à sua volta. O Japão é uma cultura que vive muito do contexto.

Os meus amigos Japoneses têm uma imensa quantidade de energia. Eles são como o resto de nós – festejam muito, vomitam, ficam chateados com os chefes, e adoram aventuras. Não têm qualquer problema em dizer-me que estou errado ou chamar-me a atenção quando necessário. Gostam de ir a raves de 2-dias e fazer sessões de karaoke e usar acessórios divertidos. Se está a viver no Japão, diria que é um excelente país para quem é introvertido, porque não se sente forçado para fazer coisas ou sair. Não tem aquele medo de estar a perder coisas que eu sinto ser tão prevalente nos Estados Unidos, sobretudo quando estava a viver lá.

3 – O que achas que o resto do mundo deveria adoptar da Cultura Japonesa?

O povo japonês tem a taxa mais elevada de tempo de vida expectável. Particularmente em determinadas partes das Ilhas Okinawan que contêm uma série de centenários. A chave da sua felicidade é explorada no fascinante livro “Ikigai” e resume-se a três factores: dieta, estilo de vida e mindfulness.

Dieta. As pessoas mais velhas no Japão bebem 2-3 chávenas de chá verde por dia, comem em média cerca de 18 tipos de comida por dia (pequenas porções, grande varieada), obedecem à regra “Hara hachibu” que significa comer até se estar 80% satisfeito e não cheio a abarrotar.

Estilo de vida. Em Okinawa os centenários estão sempre em movimento (não movimento extenuante, apenas a moverem-se e a fazerem coisas) e são todos parte duma pequena comunidade ou grupos que têm atividades o que lhes dá um propósito (“ikigai”) nas suas vidas. Para além disso, as pessoas, especialmente em Tóquio, tendem a não ter carros e, de facto, têm uma das taxas mais baixas de donos de carros numa cidade grande.

Mindfulness. As pessoas japonesas são muito cuidadosas com as suas ações. E também tendem a focar-se em fazer uma coisa de cada vez. Juntamente com isso, isto cria uma tendência realmente poderosa de se focarem no “agora” e fazerem todo o tipo de tarefas com mindfulness ou presença de espírito. O simples acto de tirar os sapatos quando se entra em algum lugar ou focarem-se em apenas lavarem a louça ou limpar pode ser extremamente meditativo, desde que se coloque a mente numa coisa de cada vez ao invés de fazer multi tasking. Não é necessário retirarem-se para os Himalaias e sentarem-se em posições estranhas para atingirem paz interior.

4 – Com o constante movimento e mudança dos mercados e a maneira como as pessoas se posicionam no mercado de trabalho: como achas que as sociedades vão evoluir? Como será um típico dia de trabalho?

Não faço ideia como será um típico dia de trabalho, mas definitivamente vamos continuar a mover de um sistema de emprego a tempo inteiro para um sistema de contratos e freelance. Isso é excitante, porque temos imensas práticas de trabalho perversas pelo mundo fora e tantas pessoas que não são simplesmente felizes nos seus trabalhos. Em última instância isso vai mudar e as pessoas irão ter mais tempo livre e controlo sobre as suas vidas e eu suspeito que ao termos mais liberdade teremos também um crescendo na criatividade.

Prever o futuro não resulta e o experts são particularmente maus a fazer isso. Mas eu partilho desta opinião que vem de pessoas da tecnologia como Kevin Kelly, ex-exec editor da Wired: a melhor característica que se pode ter é ser capaz de aprender e saber qual é o seu estilo pessoal de aprendizagem. Por isso, equiparmo-nos de ferramentas de aprendizagem contínua e crescimento para garantir que estamos à frente da curva. A maioria da informação online é livre hoje em dia e há poucas desculpas para não continuarmos a aprender.

Também me sinto fascinado pela tecnologia blockchain de uma perspectiva filosófica. A maioria das nossas vidas é dominada por intermediários e agências, por isso há sempre brechas na confiança. Vai levar alguns anos, mas há imensos projetos a sairem que irão mudar este sector, incluindo o mercado de trabalho.

5 – Em quê que te inspiraste para escrever os teus dois livros: The Star Interview: How to Tell a Great Story, Nail de Interview e Land Your Dream Job and Cracking The Amazon Interview: A Step by Step Guide to Get the Job?

Eu senti-me motivado a escrevê-los; eu tinha de os escrever. Honestamente, não estou assim tão satisfeito com eles – suponho que um escritor nunca esteja. Após a demissão do meu trabalho eu queria escrever uma série de coisas que tinha aprendido durante o recrutamento e o produto foram estes livros, tal como todo o conteúdo que eu publico com regularidade na Quora.

6 – Após os teus dois livros: The Star Interview: How to Tell a Great Story, Nail the Interview and Land Your Dream Job e Cracking The Amazon Interview: A Step by Step Guide to Get the Job, quando podemos esperar o próximo livro e qual é o tema?

Estou realmente entusiasmado com o meu próximo projeto. Estou a começar a trabalhar num livro sobre a vida no Japão das perspectiva dos estrangeiros. Eu sinto que há imenso interesse no tema e não existe nenhum livro. Isto é tudo o que posso dizer por agora, mas fiquem ligados para novidades em breve.

7 – Como cultivas Saúde e Bem-estar na tua vida? Partilha connosco alguns dos teus hábitos ou atitudes que tomes nesse sentido.

Como a maioria das pessoas deve sentir, a vida não é um fio de bons hábitos. Há sempre dias maus, desafios, ups and downs, falhanços e sucessos, tempos de grande alegria e tempos de grande tristeza. Nós tentamos levar a dieta até ao fim, mas depois encharcamo-nos no casamento dos nossos amigos. Tentamos dormir mais, mas temos de tratar de trabalho extra. Eu acho que as pessoas se levam demasiado a sério e massacram-se por aparentes “fracassos”, mas frequentemente não compreendem que há simples flows na vida.

Ao longo da história tivemos períodos de festa e de jejum – vilas inteiras tinham grandes festivais, comiam, bebiam, dançavam. Depois durante as próximas duas semanas voltavam ao trabalho e faziam jejuns. Depois repetiam o processo. Hoje em dia, entrámos neste hábito de escolher um ou o outro.

Infelizmente, ter um sem o outro não resulta. Vai-se trabalhar, depois tira-se férias. Tem-se um banquete, depois come-se saudavelmente. Vai-se a uma festa, depois faz-se uma pausa. Estes são os ciclos da vida. Há uma frase incrível do monge que disse: “eu não posso controlar as ondas do oceano, mas posso aprender a surfar.” Frequentemente, tentamos controlar as ondas, quando na realidade só precisamos de surfar e não nos massacrarmos tanto. Ou seja, o que precisamos é equilíbrio!

Aqui estão alguns hábitos que eu cultivei que me mantêm centrado e equilibrado.

  • Tirar períodos em que bebo zero de álcool durante semanas/meses. Depois noutras épocas planeio imensas noites ou atividades com amigos – e não me refreio. É divertidissimo!
  • Meditação: diária de 20 minutos usando a app headspace.
  • Sauna/banho frio. Eu visito as saunas 3-4 vezes por semana e tomo banhos frios. Estudos suecos mostraram que esta combinação reduz a mortalidade em algo como 30%.
  • Eu faço jejum a cada 3 meses que duran 4-7 dias. Ao longo da maior parte da História foi um hábito de saúde e eu escrevi um pequeno post sobre o tema: https://www.quora.com/What-are-some-long-term-water-fasting-experiences/answer/Misha-Yurchenko
  • Eu leio um livro 30-40 minutos por dia, pelo menos.
  • Partilhar/dar. Eu tento dar um elogio ou fazer algo bonito por uma pessoas semanalmente, senão mesmo diariamente.
  • Escrever num diário todos os dias. Escrever o que me passa pela cabeça ou frustrações que possa ter ajuda a manter-me são.
  • Dançar aleatoriamente no meu quarto com as luzes apagadas.

8 – Quais as últimas palavras que gostarias de partilhar com os leitores do Skin at Heart?

Sintam-se livres de me contactar a qualquer momento, em particular se tiverem questões sobre o Japão 🙂 Obrigado!

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