Após tanto tempo na estrada, encontro aquele que é o projeto mais incrível que vi durante esta jornada: a Fundação Kianh e a alma mais inspiradora que conheci ao longo deste percurso: Jackie Wrafter. O trabalho da Jackie fez-me lembrar de imediato, duas grandes amigas minhas, a Florbela Lages, que fundou a Associação Educativa Humanista INGAH, e a Teresa Pinto, que é Professora em diversas fundações na Colômbia. Três mulheres inspiradoras, em três continentes diferentes a fazerem um trabalho notável!
Uma das coisas mais incríveis de estar no mundo são as pessoas que conhecemos e uma das coisas mais enriquecedoras sobre conhecer pessoas é que elas são um espelho para o nosso próprio mundo interior. Às vezes nós pensamos que vamos atingir isso através da exposição a determinados mestres, pessoas muito desenvolvidas em determinadas artes que podem ser meditação ou o que quer que seja que normalmente associamos a um estado de paz e, depois, percebemos que isso é feito através de fazer-se o que se ama, encontrar-se pessoas ligadas nos mesmos interesses que nós (obrigada Kerstin pelo trabalho incrível!) e observar ou ouvir as vidas de “pessoas normais” que através de ação diária consistente estão a “fazer o extraordinário” tal como a Jackie Wrafter.
A Jackie criou a Fundação Kianh em 2012, após mudar-se para o Vietnam há 19 anos para trabalhar com o orfanato local com crianças com deficiências. O trabalho dela tem vindo a mudar a vida de centenas de famílias na região, porque através do impacto na vida da criança, a Jackie muda também a vida dos pais e toda a dinâmica da família. O trabalho da Jackie até lhe valeu um MBE, Membro da Ordem dos Mais Excelentes do Império Britânico, pelo notável serviço que tem vindo a prestar à comunidade.
Mas este post, não é sobre a Jackie – o Skin at Heart vai publicar uma entrevista com a Jackie em breve – este post é sobre o impacto da visita à escola e da descoberta deste projecto. A energia diária que temos para os nossos afazeres é limitada, por isso podemos escolher usar a nossa energia de forma sensata e espalhar alegria. Cada sorriso que partilhamos tem um impacto positivo, cada boa ação que fazemos tem o potencial de mudar uma vida, especialmente a nossa! Descobrir o trabalho da Jackie causou uma grande impressão em mim! Foi comovente ver tantas crianças a quem é dada a oportunidade – que de outra forma não teriam – de não só se desenvolverem física e mentalmente, mas também de terem a chance de fazer amigos e estabelecer ligações com outros seres humanos (é necessário dizer que a maioria destas crianças estariam em casa todo o dia sem fazer nada se não fosse a escola, pois os pais precisam de trabalhar e não têm o apoio, nem o conhecimento para lidar com esta situação.
Outra coisa que me intrigou foi porquê que havia tantas crianças com deficiências especificamente nesta região? Claro: a Guerra do Vietname! De 1961 a 1971, as Forças Militares norte-americanas vaporizaram mais de 10 milhões de galões de diversos herbicidas no Vietname, Cambodja e Laos para eliminar abrigo florestal e fontes de alimento para os Vietnamitas nortenhos e para as tropas de Viet Congs. Os diferentes herbicidas usados durante o que foi chamado de Operação Ranch Hand (o nome de código deste programa) tinham o nome de acordo com a marca de cor que possuíam: Agente Rosa, Agente Verde, Agente Roxo, Agente Branco, Agente Azul e, o mais famosos de todos, Agente Laranja. Cada um destes produzidos por Monsanto, Dow Chemical, Diamond Shamrock, Uniroyal, Thompson Chemicals, Hercules, entre outros. O Agente Laranja foi o herbicida mais utilizado no Vietname (mais de 13 milhões de galões usados) e o mais potente de todos! Pode ler mais sobre o Agente Laranja aqui!
“O Governo especificou a composição química do Agente Laranja e quando, onde e como este material seria usado no terreno” diz a Monsanto neste artigo.
Os dois ingredientes ativos do Agente Laranja continham vestígios de dioxina. A dioxina não foi intencionalmente acrescentada ao Agente Laranja, era na verdade, uma consequência do processo de produção destes químicos, que dura durante muitos anos no ambiente, em particular no solo, nos sedimentos da água e na cadeia alimentar. A dioxina acumula-se nos tecidos de gordura dos corpos de animais. A maioria da exposição humana é através da alimentação. Estudo feitos em laboratório demonstraram que a dioxina é altamente tóxica e carcinogénica. Foi encontra em diferentes concentrações em todos os herbicidas usados no Vietname.
A exposição à dioxina pode causar inúmeras doenças, entre elas: escurecimento da pele, problemas de fígado, uma condição de pele severa idêntica a acne chamada cloracne. Adicionalmente, está associada a Diabetes do Tipo 2, disfunções do sistema imunitário, desordens nervosas, disfunção muscular, perturbações hormonais e doenças cardíacas. Fetos em desenvolvimento são particularmente sensíveis a dioxina, que também está associada a abortos, spina bifida e outros problemas de desenvolvimento cerebral e do sistema nervoso em fetos, pelo que se tornou claro para mim, porquê que aquela região tinha tantas crianças com deficiências. Nota: quase 50 anos depois ainda estamos a ver os efeitos nocivos da utilização destes pesticidas!
Em 1991 foram reconhecidas 15 doenças associadas à exposição de herbicidas durante a Guerra do Vietname, incluindo doença de Hodgkin, mieloma múltiplo, linfomas, cancro da próstata, cancros respiratórios, cloracne, diabetes do tipo 2, doença de Parkinson, spina bifida entre outras nos descendentes dos veteranos da Guerra do Vietname e, desde pelo menos 1978, diversos processos nos Estados Unidos da América foram submetidos contra as companhias que produziram o Agente Laranja, por parte dos veteranos da Guerra do Vietname.
Então e o Sudeste Asiático?
Cerca de 18%, (3.100.000 hectares) da área total de floresta do Vietname foi vaporizada durante a guerra, criando um desequilíbrio ecológico. A natureza persistente das dioxinas e a erosão causada pela perda de cobertura florestal significam que a reflorestação foi difícil (ou impossível) em diversas áreas e a diversidade de espécies de animais foi extremamente reduzida.
Dioxinas do Agente Laranja persistiram no meio ambiente desde a guerra, assentando no solo e entrando na cadeia alimentar através de animais que viviam em áreas contaminadas. As áreas centrais do Vietname de Da Nang, Distrito Dien Ban e Hoi An estão entre a área geográfica onde os herbicidas tóxicos foram vaporizados, nomeadamente o Agente Laranja. A Fundação Kianh serve o Distrito Dien Ban.
O que podemos aprender com isto?
Podemos aprender a não repetir os erros do passado. Podemos aprender que o que quer que façamos à Terra, estamos – em última instância – a fazer a nós próprios e o preço a pagar é não só imediato, mas também prevalece por diversas gerações, é um preço pago pelos nossos filhos e os nossos netos. E não, não vale a pena ir para longe e fazer isto na terra de outras pessoas, longe da nossa, é o mesmo planeta Terra, com a globalização, agora mais do que nunca, nós temos a chance não só de estar mais conscientes do que se passa no nosso planeta casa, como temos a responsabilidade de tomar conta da nossa casa, de tomar ação sobre o que for necessário, de ser a mudança que queremos ver no mundo. Tal como referido por Alex Lipton no que toca à mudança climatérica e ao impacto que isso tem na Terra: “A humanidade tem a oportunidade de se levantar e se expressar ao seu mais alto potencial como espécie. Nós podemos erguer-nos ao desafio, trabalhar em conjunto e restituir o equilíbrio.”
O que podemos fazer?
Bem, a Jackie certamente está a fazer uma diferença na vida de centenas de crianças com a Fundação Kianh! Nós podemos dar o nosso contributo a este projecto com um donativo ou visitando este link para ver como o nosso apoio pode fazer a diferença e ter impacto no mundo em que vivemos!
Obviamente, que o exemplo da Jackie também se estende ao nosso dia-a-dia e às escolhas que fazemos. Ao analisar os impactos destruidores destes herbicidas, podemos tornar-nos mais conscientes e buscar informação para ter mais controlo na origem de todos os produtos que fazem parte do nosso dia-a-dia desde algo essencial como a comida que optamos por trazer ao nosso prato (escolher produção orgânica local é sempre uma boa opção) até à maneira como escolhemos usar a nossa energia, tempo e dinheiro nos tempos livres a que nos dedicamos.
Nota: Para além do Vietname, também o Cambodja e o Laos foram vaporizados. É possível que esses países e até outras regiões do Vietname estejam a sofrer ainda as consequências desses actos.
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