A Epidemia do Medo ou a Revolução da Consciência

Tudo começou como um burburinho nas notícias. Ninguém tinha a certeza do que se estava a passar e parecia tudo muito distante à medida que se observava pelo televisor. Ninguém levava isto muito a sério até que subitamente cafés, restaurantes e ruas ficaram vazias, toda a gente começou a temer contato humano e tornou-se impossível falar de outro assunto que não este. As pessoas foram apanhadas pelo medo e tentavam instigar essa mesma emoção nos outros que pareciam estar calmos e serenos enfrentando a “crise”. O coronavirus tinha chegado e as nossas vidas já não seriam as mesmas!

“Cavalheiros, não podem lutar aqui! Isto é a Sala da Guerra.”

A pandemia do medo levou a uma onda em que certas pessoas estavam a tentar culpar outras pessoas que não estavam em pânico, chamando-lhes de irresponsáveis ou inconscientes por não cederem à paranóia que todos estavam a viver. É como se quisessem convencer os outros a ter medo de modo a 1. Preencherem a sua necessidade de ter razão e 2. Validarem as suas próprias emoções. Isto não surge como uma surpresa em sociedades onde a validação vem de fora em vez de vir de dentro. Visto que o medo é uma emoção extremamente disruptora, quando na presença de alguém que se mantém calmo em face da epidemia, é como uma invalidação do medo que é agora usado para justificar uma série de atitudes.

Quando as pessoas estão com medo tornam-se intolerantes em relação a tudo, especialmente pessoas que se mantêm calmas. E pessoas que se mantêm calmas ficam surpreendidas e até magoadas com a falta de humanidade causada pela energia do medo nas pessoas que as rodeiam. Os amigos chateiam-se uns com os outros, os casais discutem por causa do virus e as famílias debatem-se com o assunto.

“É uma verdadeira experiência viver no medo, não é? É isso que é ser-se escravo.” 

Antes de mais, o medo é uma das emoções mais primárias. Visto que põe o corpo em modo “lutar ou fugir” – ou seja, prepara o corpo para sobreviver levando o sangue para os membros superiores e inferiores – quando constantemente sob esta emoção, sentimentos de ansiedade, histeria e pânico fazem-se sentir, porque a primeira função é sobreviver e, como tal, o sangue deixa de se focar nos órgãos vitais, desequilibrando funções como digestão, respiração, pensamento e sistema imunitário. A digestão fica impedida de absorver os nutrientes, a respiração fica reduzida levando a ataques de pânico, as capacidades cognitivas reduzem-se e o pensamento torna-se irracional devido à falta de oxigénio e a função das células é perturbada, comprometendo assim o sistema imunitário.

Mas isto significa que não podemos sentir o medo de todo?

Não, não é isso que significa. Nós podemos e devemos sentir o medo e deixá-lo ir. O medo, tal como qualquer outra emoção, existe para nos mostrar algo sobre nós próprios. O Dr. Hawkins dá-nos um brilhante guia emocional no seu livro Deixar Ir: O Caminho da Entrega Plena. Libertar a emoção significa que nós vivemos através dela e rendemo-la constantemente até a sua energia se extinguir. Contudo, devido ao condicionamento social, incluindo normas culturais, as notícias e a energia dos que nos rodeiam, nós tendemos a ser apanhados em estados vibracionais inferiores – tais como o medo – e a resistir-lhes constantemente, o que significa que a mesmo emoção está sempre a aparecer, pois não é totalmente permitida, sentida e libertada.

A Propaganda do Medo

A energia das emoções é contagiosa. Quem é que não se sentiu calmo quando na presença de alguém muito sereno e ligeiramente nervoso quando na presença de alguém enraivecido? O medo é um mecanismo de sobrevivência que cumpre o seu papel para nos avisar de um perigo próximo, mas é aí que a sua função termina. Alimentá-lo constantemente limita as nossas funções vitais conforme descrito anteriormente.

“Quem controla os media controla a mente.”

Num mundo permamentemente ligado através da televisão e da internet, espalhar o medo é mais rápido visto que estamos constantemente a receber informação através de diferentes canais. As chamadas falsas-notícias abundam, particularmente através de mensagens de voz do Whatsapp que não reportam os factos como são e cultivam um estado de paranóia na mente das pessoas. O tom de voz e as palavras escolhidas pelos jornalistas instigam mais medo e criam um clima alarmista. As palavras que escolhemos e a energia da nossa voz são ferramentas importantes do nosso discurso, pelo que faz diferença prestar atenção a estes dois pontos. A maioria da informação que as notícias comunicam é completamente mal interpretada devido à distorção que estes filtros criam. É uma escolha para todos nós, especialmente para aqueles que entregam as notícias, manterem-se calmos e energeticamente elevados face a qualquer evento. Esta responsabilidade vai mais longe do que imaginamos devido aos efeitos placebo e nocebo conforme descrito pelo Dr. Bruce Lipton:

“É um facto científico que o pensamento positivo e negativo têm um efeito profundo na função do sistema imunitário. Uma das frentes da investigação imunitária é o campo da Psiconeuroimunologia. Descrito pelas suas próprias palavras de origem como: imunologia é o sistema corporal que protege contra infeções internas. Neuro-imunologia é o estudo de como o cérebro controla o sistema imunitário. Psico-neuroimunologia é a ciência de como a consciência molda o controlo do cérebro sobre o sistema imunitário.

A investigação da Psiconeuroimunologia revela claramente que a consciência controla a função do sistema imunitário. A consciência positiva é responsável pelo Efeito Placebo, onde a mente se cura de qualquer doença, enquanto stress e pensamento negativo criam o Efeito Nocebo, onde provocam qualquer doença. O medo do COVID-19 associado às ameaças de sobrevivência agride profundamente o sistema imunitário da população e exacerba a epidemia.”

Tal como uma mensagem de medo é transmitida e contagiosa, também uma mensagem de paz e positivismo se pode propagar. Quando somos bombardeados com energia esgotante, a melhor coisa é conectarmo-nos com o nosso eu interior. Temos de olhar para dentro! Agora, mais do que nunca, olhar para dentro tem a chave da nossa paz.

É muito importante manter um olho nas nossas emoções. Um papel de observador dá-nos a distância e a compreensão necessárias para lidar com o caos emocional precipitado pelos tempos presentes. Quando nós estamos totalmente presentes com as nossas emoções, sem as julgar, nem nos identificarmos com elas, estas perdem energia. Ou seja, nós simplesmente vivemos as emoções sem as evitar através de mecanismos de fuga como distrações constantes ou expressão, incluindo projetar essas emoções nos outros. Mantendo o observador interior a prestar total atenção ao que se passa cá dentro, nós também nos conectamos mais com a nossa bússola natural que se chama estado emocional, o que significa que reprimir e suprimir as emoções também pára, pois nada passa despercebido. À medida que nos tornamos mais familiarizados com este processo, nós compreendemos que temos a liberdade de nos elevarmos sob as nossas circunstâncias e tomar responsabilidade pelo nosso estado emocional. Este é o espectro de trabalho de pessoas como Joe Dispena, Abraham Hicks, Vadim Zeland, Teal Swan e muitos outros. Tal como o Dr. Hawkins indicou, a chave não é catalogar a emoção ou até mesmo falar sobre ela, é simplesmente focarmo-nos nas sensações no corpo. Esta observação consciente da emoção permite-a, neutraliza-a e deixa-a ir. É exatamente este o princípio por detrás do Budismo Zen, Tao ou Dao e de muitas outras filosofias Ancestrais.

A Evolução da Consciência

Nas filosofias Orientais e nas culturas indígenas Ancestrais, todos os estados da vida são aceitados e compreendidos. Isto é uma consequência natural da conexão do ser humano à Terra e aos seus ciclos, uma consciência sentida e desenvolvida desde tenra infância com o processo da vida. Em muitos lugares que visitei, à medida que eu conhecia todas aquelas pessoas, cujos estilos de vida eram tão diferentes do meu, eu apercebi-me sobre a minha própria resistência, desconexão e ausência de consciência. O tipo de cultura em que eu cresci, ensinou-me a ter preferências, a preferir isto em vez daquilo, impedindo-me de aceitar tudo como é, resistindo à mudança e aos ciclos à medida que aconteciam. Eu acredito que a nossa incapacidade geral para lidar com a morte, tratando este assunto como tabu ou como uma desgraça está relacionado com esta perspetiva. A natureza contém uma chave poderosa para a paz interior. Se nos sentarmos e observarmos a natureza, nós compreendemos a impermanência da nossa própria condição humana. Observar as ondas à medida que vão e vêm na praia, ou o sol a subir e a descer, ou a noite a seguir o dia, ou a lua a mudar constantemente, dá-nos compreensão e serenidade. E no meio desta contemplação, nós vemos a permanência daquilo que somos verdadeiramente.

“Eu digo-te o que os eremitas compreendem. Se tu fores para uma floresta longe, longe e te sentares muito quieto, tu irás entender que tu estás conectado com tudo.”

Agora que a maioria de nós está fechado em casa, nós temos a oportunidade de olhar profundamente para a nossa humanidade. Esta é a chance da Humanidade se elevar à altura do desafio e repensar muitas coisas sobre as nossas sociedades, tais como a forma como nós lidamos com economia e emprego, o número de horas de trabalho, o papel da tecnologia no que toca a qualidade de vida, o foco na produtividade em vez de desfrutar da atividade profissional, o que a sustentabilidade significa para nós, a obsessão sobre igualdade em vez de integração de diversidade, o significado de mercados mundiais e conexão global.

Também é uma chance para nós, como indivíduos, repensarmos o tempo que dedicamos às coisas que fazemos diariamente e a nossa consciência enquanto as fazemos, como de onde vem a nossa comida, o tempo que demoramos a cozinhá-la, o estado de espírito que mantemos enquanto comemos, a conexão que temos com os que nos rodeiam, como somos parte da nossa comunidade, o quê ou quem é a nossa comunidade e por aí fora. Alguns destes aspectos estão diretamente relacionados com a insatisfação geral dos Millennials.

A maioria de nós está preocupado com a nossa própria saúde ou a dos nossos pais e avós. Esta ansiedade vem de 1. A nossa falta de preparação para aceitar os ciclos da vida conforme descrito acima e 2. A nossa cultura que exacerba a doença através da exposição constante a poluidores para o nosso organismo como comida ou emoções. Eu olho para a minha Avó e posso ver o contraste com muitas pessoas da sua idade. Essas outras pessoas – Taoistas que conheci – estavam em perfeita saúde. Apesar de alguns serem até bastante mais velhos do que a minha Avó, eles pareciam estar nos seus 50 e quando os via a irem embora até pareciam adolescentes. O segredo? 1- Exercício diário, especialmente técnicas de respiração combinadas com movimentos corporais como Qi Gong (eles até se mexiam melhor do que muitos jovens que andam por aí) 2. Nutrição adequada no que toca a quantidade e qualidade, incluindo nutrientes da natureza como sol e ar fresco e 3. Talvez o mais importante de todos, alegria de viver, uma aceitação dos ciclos da vida, uma chama nos olhos, sentido de humor, uma atitude divertida face a qualquer evento, uma compreensão de estar e ser aqui. Seria tão difícil enraizar uma mentalidade idêntica aqui no Ocidente? Não poderíamos simplesmente exercitar-nos ou comer saudavelmente não pelo medo da morte ou da doença, mas pelo amor e satisfação pela nossa condição humana? Não poderíamos implementar hábitos saudáveis não porque queríamos viver mais tempo, mas sim porque queríamos desfrutar do nosso tempo aqui com qualidade e consciência? Isto é algo sobre o qual todos podemos reflectir durante este retiro espiritual a que esta crise nos força.

No que toca ao ambiente, esta paragem geral é algo que cada árvore em todas as florestas da Terra está grata. Os níveis de poluição estão constantemente a aumentar devido a uma cultura insaciável que tem sede de mais. Talvez estejamos a ter a chance de compreender que menos é mais, de compreender que podemos viver mais com menos, que podemos escolher qualidade sobre quantidade. Talvez nós possamos compreender que a coisa mais importante é a nossa conexão com a Terra, com o organismo vivo a que chamamos casa. Se tomarmos conta deste organismo adequadamente, estamos a tomar conta da nossa saúde, pois tudo está interligado no ecossistema da vida.

É importante nutrirmos serenidade em vez de alimentarmos os estímulos esgotantes que nos são atirados diariamente pelos media e pelas conexões sociais. Nós temos de dar vida ao que é importante, tal como quando ensinamos uma criança a usar os motores de busca online: nós podemos escolher em que nos vamos concentrar, podemos escolher onde depositamos a nossa atenção, pois onde colocamos a nossa atenção é onde está a nossa energia. A nossa atenção dá-lhe vida. Então, porque não focarmo-nos em alegria, serenidade e amor? Porque não usarmos este tempo em casa para nos conectarmos com os nossos corações, focando-nos no mundo onde queremos viver e visualizando-o diariamente na nossa mente? Porque não criar uma epidemia de celebração do ciclo da vida?

 

Escrito com a cooperação de Teresa Sousa, uma professora focada em Educação Ambiental e mudança de paradigmas

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